Crônica 10 - De volta pro mar!
- @joaocabenaestrada
- 19 de dez. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 21 de dez. de 2020
Na minha mochila coloquei água, lanche, protetor solar, chapéu, documento e dinheiro suficiente para comprar o almoço caso eu demorasse. Tomei um banho frio para despertar mais, saí ainda cansado mas ansioso. Quase cem dias viajando pelo Centro-oeste e Norte do Brasil, eu estava a alguns metros do mar. Confirmei a rota e peguei a direção mais longa. Pensei em caminhar por toda a extensão da orla de Tutóia, que pra minha surpresa não tem uma, passando pela praia da Barra até as primeiras dunas dos pequenos Lençóis. Um percurso de pouco mais de 5 quilômetros.

Rever o mar me trouxe um acalento, uma confirmação do lugar de onde vim e da ligação que tenho com esta paisagem. Não há quem não se sinta energizado na presença da imensidão do oceano, não reflita sobre nossa fragilidade e o quanto os problemas são insignificantes. Senti tanto prazer e relaxamento que o cansaço tomou conta. Uma canoa encalhada mais a frente, sem cobertura, foi onde pensei em descansar o corpo. Entrei nele, usei a mochila como travesseiro e numa posição confortável para aquela situação, tirei um belo cochilo.

Acordei com o sol saindo forte e voltei a caminhar beirando o mar até as dunas a frente. Reparei num pequeno vilarejo depois delas e na quantidade de carros e motos indo naquela direção. Ainda pensei em caminhar até lá, mas logo desisti quando vi a imensidão de areia. Subi até a duna mais alta pra ter ideia da paisagem, fiz uma rápida vídeo chamada para minha família e caminhei animado, deslumbrado e me divertindo bastante. Desde a sensação da areia fina correndo entre os dedos, até surpreso com a força do vento e o decalque do horizonte. É realmente um lugar jurássico, poderoso e incomum.
Na volta pra casa, peguei um atalho que me levou até a oficina do Anderson da Silva, o Pote, como é conhecido na cidade. Conversamos um pouco e segui para sua casa onde dormi até o começo da noite.
Fui até o mercado e comprei frutas e pão para a manhã seguinte. Fiz um lanche pelo Centro e de volta em casa conversei com Val, a irmã do Anderson. Tomamos café juntos e me despedi. No quarto eu aproveitei para escrever novas crônicas e um novo artigo sobre Higiene na estrada. Aquela noite dormi cedo porque queria aproveitar o máximo o dia seguinte.

Fez um belo dia de sol, como de costume, organizei o quarto, minhas coisas, a mochila e fui dar um passeio. Conheci bem melhor o Centro de Tutóia, o cais, algumas raras casinhas antigas e mal preservadas, as ruas de pedra, praças e o comércio. De volta a praia, escolhi um ponto sombreado e descansei um pouco observando o mar que cobria toda a extensão de areia que antes estava visível. Foi no segundo dia que vi o mar, cheio de ondas e aquele barulho típico de maré cheia: vento forte soprando, a tonalidade um pouco mais azulada e as ondas quebrando na beiradinha.
O mar de Tutóia não é como o nosso, por causa da quantidade e o tamanho dos rios e igarapés, a água tem uma cor mais barrenta, me contaram que as praias na capital São Luís têm um tom mais parecido com o que encontramos abundantemente na Bahia. Bom, cada lugar tem sua peculiaridade, estou feliz e grato de poder estar aqui e conhecer as diferenças, mas me sinto ansioso para por os olhos no mar verdinho que me faça rememorar as paisagens familiares.
O retorno para Barreirinhas foi rápido, tranquilo e pude experimentar como pedalar mais confortavelmente. Desde Valença - BA, eu jamais havia usado roupas apropriadas para ciclismo e longas distâncias, falar a verdade eu até criticava, achava que o modelo da minha viagem não condizia e não havia necessidade de investir em roupas caras como essas como eu pedalaria em baixa velocidade e quanto mais à vontade, mais renderia. Eu estava completamente errado! Não é uma questão de vaidade, mas conforto e cuidado com o corpo. Depois de três furúnculos doloridos debaixo do braço, senti um pequeno caroço na bunda e pensei que pudesse ser um furúnculo, tomei os remédios, tratei, mas, foi usando o short acolchoado que me dei conta do tempo que eu estava maltratando meus glúteos. Aquele short, mesmo com o possível furúnculo que estava por sair, me trouxe tanto conforto e disposição que melhorou meu rendimento e humor. Hoje, pedalo vestido como ciclista. Ainda não tenho a camisa lisa que quero, uso uma de um grupo de pedal que não conheço, nunca participei mas que me serve bem, é fresca, tem zíper que me permite abri-la completamente, amenizando o calor, e é de uma cor que chama atenção na rodovia. Até que encontre uma nova, vai ser essa.

O vento à favor que faz total diferente, facilitou muito pra mim, cheguei em casa e ainda tinha disposição para pedalar, fosse o caso, no entanto, pra quê mais esforço. Tomei banho, almocei e descansei um pouco. Precisava de energia para produzir para o site e pegar a estrada em dia!
Na manhã seguinte fiz um passei de voadora, como eles chamam as lanchas rápidas no Maranhão. Conheci as comunidades de Vassouras, Mandacarú e Bacuré. Todas elas espalhadas no grande rio Preguiças. Vassouras tem um belo conjunto de dunas e o horizonte repleto de torres eólicas que contrastam na paisagem. Tem quem não se incomode, quem ache parte do lugar, quem tira foto para mostrar a família; eu não acho nada interessante. Em Vassouras também tem um atrativo que faz a festa dos turistas e crianças, os macacos-pregos que roubam tudo que brilha e dá pra comer. O simples fato de abrir a mochila já chama a atenção deles. Ouvi de uma turista tosca que eles são assim porque não recebe comida dos barraqueiros que fazem a vida as custas da diversão que os macacos promovem. No entanto, basta um pouquinho de bom senso para entender que o desequilíbrio naquele ponto comprometeu o o comportamento dos macacos que hoje se aproveitam dos turistas desatentos porque perceberam que assim têm comida mais rápido. Ainda pensei: Brasília está cheia de políticos assim. Uma pausa para a analogia nossa de todo dia.
Macaúbas é visitada por causa do grande Farol Preguiças. Para quem deseja almoçar, este é o local aonde os preços são mais acessíveis. Eu levei a mochila abarrotada com frutas e água para que não dependesse da exploração local. Caburé é onde achei a parada mais gostos pela proximidade com o mar e possibilidade de banho salgado e doce, mas, estrategicamente coincidem a parada com o horário do almoço para que após todos possam descansar nas redes por, pelo menos, 1:30h e seguir de volta para Barreirinhas no final da tarde.

O passeio saio por R$60,00 , foi uma cortesia da querida Luza, ciclista barreirense que me hospedou por quase duas semanas... é onde estou nesse exato momento, sentado no chão da sua varanda ventilada, usando seu computador, e pensando no próximo destino. Luza tem muitos amigos e conhece toda a região, quando pensei em seguir para São Luís ela me convenceu de ficar pois estava organizando um passeio até Santo Amaro do Maranhão, não precisou de muito esforço. Fiquei porque, conhecendo o município eu sairia do Parque dos Lençóis Maranhenses com a dívida de conhecer apenas Atins.

Passamos o domingo (20/12), entre as dunas e rios em Santo Amaro do Maranhão, com os amigos da Luza. Pessoas queridas, simples e bem receptivas que se interessaram bastante com minhas histórias. Nesse dia eu estava completando cem dias na estrada. Imaginem... cem dias de bicicleta da Bahia ao Maranhão. Andei gratuitamente de quadriciclo, conheci algumas lagoas da região, não aquelas de águas transparentes pois esse não é o período das chuvas. Almocei com a família que me recebeu e experimentei Murici, uma frutinha litorânea, amarela, de sabor extremamente marcante como tudo no Maranhão. Me lembrou o cheiro e sabor do queijo parmesão - sério! -, gostei mais dela verde, a madura tem esse gosto mais acentuado, já o suco, bebi um gole e foi o bastante para agradecer!
No final daquela tarde, passei tanto tempo dentro do rio Grande que corta a cidade, que minhas mão enrugadas eram a prova de que tive uma tarde refrescante e cheia de novidade.

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