Crônica 22 - De Algodoal a cidade dos ovinis.
- @joaocabenaestrada
- 27 de jan. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de fev. de 2021
Fazia tempo que não cozinhava meus próprios ovos mexidos com bastante cebola, orégano e açafrão. Passei café e comi três pães bem recheados. Investi 7 reais no que considero que foi minha janta e lanche antes de dormir. Ainda me cobrei por não ter economizado assim em outros destinos! Pra quem tem a oportunidade de preparar a própria refeição e não se ludibria com as placas dos restaurantes e lanchonetes, consegue economizar bastante. Levando em conta a quantidade de frutas e lanches que ganho em alguns destinos, nem sequer precisa comprar outras coisas. Mas, para isso, é preciso estar aberto para aceitar e buscar saciar com o que ganhar na estrada.

O sinal da Claro e internet em Algodoal só funcionam bem numa rua específica do Centro da vila e na frente da praia. É fácil descobrir o melhor ponto porque as pessoas se reúnem para usar o celular. Isso me lembrou a cidade de Havana. É uma espécie de Lan House ao ar livre. Aproveitei para falar com a família e atualizar o Instagram.
De volta ao quiosque, o mesmo ritual, banho de choveiro e e repelente. A quantidade de muriçocas nessa região é enlouquecedora. Aprendi a dormir de calça, meia e camisa de manga. Geralmente não uso o saco de dormir porque esquenta e não acho confortável quando passo a noite na rede.

Acordei cedo, preparei meu café e saí para desbravar as praias da ilha. A extensa, paradisíaca, e agora, de nudismo praia da Princesa em Algodoal foi onde mais aproveitei. Passei algumas horas deitado na areia, pelado, aproveitando o sol e total privacidade. Como a lagoa da Princesa estava seca, os turistas desistem daquele ponto da praia.
Chegar aqui foi uma sucessão de desafios vencidos e recompensas diárias. Li por esses dias que, sem querer ser prepotente, quando se está conectado com o universo, você começa a reparar em números, palavras e imagens combinadas, repetidas ou invertidas. Até as horas parecem seguir um padrão: 07:07; 12:21; 16:16. Me lembrei disso aqui no Algodoal, após o filósofo e bem humorado My Life - assim o dono do hostel Kite Life se apresenta -, me dizer que: “nosso comportamento está alinhado ao universo e ele dá respostas quando fazemos a coisa certa”. Esotérico que pareça também a frase do My Life, fato é que na estrada eu me conectei com outro tempo e espaço, e tenho ouvido o mesmo de outros cicloviajantes. Parece que quando nos colocamos à prova e vivemos a autenticidade dos dias (o que não é previsto nem posto), é que as coisas acontecem.
Acertei de ficar apenas duas noites no quiosque do Cacaia. O suficiente para conhecer as praias e a dinâmica da Ilha, no entanto, gostaria de ter ficado mais. Na noite do segundo dia, organizei a bicicleta e passei a noite na varanda da casa do Cacaia que mora em frente ao cais da Ilha o que facilitou pra mim já que empurrar a bicicleta pesada de madrugada não seria uma boa ideia.
A travessia para Marudá começa cedo e custa 12 reais. Leva, mais ou menos, 40 minutos e é super tranquila. No cais da cidade eu lavei toda a relação da bicicleta e montei os alforjes. Consegui sair por volta das 8 horas. Passei no mercado, fiz um lanche e segui para Curuçá. Eu não sabia muito sobre como chegar na cidade, mas descobri no caminho uma estrada alternativa que leva até a PA 136. Uma economia de mais de 30 km no trecho total. O ramal que chama Via das Cabeceiras foi onde percebi a mudança da vegetação. Grandes Castanheiras do Pará, Ipês e Jatobás me acompanham neste curto ramal até a estrada principal que tem bom acostamento e pouco movimento de carros. São seis quilômetros do ponto onde saí até o município que tem pouco do seu patrimônio edificado e muitos igarapés.

Não caminhei muito por Curuçá, fiquei ao redor do que considerei o grande patrimônio da cidade: a Praça da Independência. Um acervo vivo da flora da região norte do país. Ali encontrei exemplares das grande árvores do Brasil. Segui para o Centro de Atenção ao Turista onde tomei conhecimento do Igarapé mais bonito até o momento: Igarapé do Cabo Di. Particularmente não me sinto a vontade em águas escuras e esse igarapé é o único do município que tem águas azuis a verde, a depender do período do ano. Agora, com as chuvas do inverno amazônico, toma um tom esverdeado que encanta. Cheguei na tarde de uma segunda-feira, e aproveitei sozinho todo o terreno. Montei a rede e descansei enquanto a chuva caia. Acordei por volta das 14 horas, afim de pedalar por causa do clima refrescante que a chuva deixou. Conferia algumas cidades próximas e decidi o próximo destino: Terra Alta.

Cheguei em pouco mais de duas horas e busquei algumas pousadas para ficar, pra minha surpresa, todos os três dormitórios estavam lotados. Fui até a prefeitura e pedi para montar a rede ao lado numa área coberta em frente a alguns ipês. Dormi muito bem aquela noite.
Cedinho tomei café na padaria ao lado e segui para Colares. Confesso que ainda estava amedrontado com a história da cidade. Colares ficou conhecida internacionalmente com os relatos de avistamento de ovinis e ataques de extraterrestes. Essas histórias sempre me apavoravam.

Peguei uma estrada de chão no município Terra Alta até o povoado de Rio Branco que fica próximo a PA 140 onde pedalei até o cais de Penhalonga para atravessar de balsa o rio Furo da Laura. Da margem oposta são 12 km até Colares. Havia chovido bastante, a pista estava encharcada e fazia um friozinho gostoso bom para pedalar. Visitei o povoado Fazenda e segui para Colares onde tive a oportunidade de entrevistar uma das testemunhas da Operação Prato.

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